A noite logo chega e a lua não ajuda muito. Não importa, pois as velas dão sua luz e, antes que as pálpebras fiquem pesadas, o escultor deverá terminar o que se propôs pela manhã: levantar e continuar a tarefa de buscar uma figura que dê sentido para os que voltarem os olhos para aquele pedaço de mármore.
Por dias o escultor estará sumido da casa dos amigos, não será visto nem no mercado ou na feira. Os muitos aprendizes não poderão receber suas instruções até que a obra seja terminada. O processo de formatação da sua escultura se dará de várias maneiras. Poderá o artista usar suas ferramentas e procurar desenhar algo que sonhou, por exemplo. Ele também poderá consultar algumas fontes, por exemplo, ler uma obra original que descreve seu modelo para escultura. Não importa a consulta; o que importa é a obra ser finalizada, tornando-se uma arte admirada por todos nos próximos quatro séculos.
Há quem diga que quando o artista terminou sua obra, tomou um de seus instrumentos, tocou a escultura, e disse: “Parla”, ou seja: “Fala”. Estava pronta a obra chamada “Moisés”, do grande artista Michelangelo Buonarotti. A expressão “parla” atribuída ao italiano deveu-se principalmente porque o artista estava convencido da perfeição da obra realizada. Contudo, apesar de toda a perfeição atribuída à obra, é possível ver algo de estranho. Na cabeça de Moises existem duas protuberâncias, parecem chifres, algo que destoa da escultura. A justificativa é que Michelangelo consultou uma tradução latina da Bíblia e ele leu “chifre”, ao invés de “rosto” resplandecente, como estava no original hebraico, ou seja, um erro de tradução que afetou para sempre a obra.
A perfeição é o alvo que os mais dedicados procuram, os entusiasta aspiram, os sonhadores almejam. Porém, definitivamente não encontram. Isso porque as referências usadas durante a busca estão sujeitas às imperfeições ou total corrupção. Cedo ou tarde alguém vai descobrir um defeito, ainda que mínimo. Se as referências são limitadas, as obras são passiveis de falhas. É por isso que Jesus, quando falava de perfeição, apresentava Deus como sendo a suprema referência. Jesus citava a Moisés (Levíticos 11.44) quando orientava os discípulos a serem perfeitos como perfeito é o Pai celeste (Mateus 5.43-48).
Cristo redefiniu o sentido de perfeição.
Moisés, ao falar no deserto, convocava o povo a “ser santo como Javé era Santo”. Já nos evangelhos, a palavra “santo” é apresentada como “perfeito”. Segundo o que Mateus nos relata do ensino de Jesus, a perfeição é uma atribuição dos filhos de Deus que amam inimigos e que oram pelos seus perseguidores. Ao ensinar sobre isso, Jesus não somente ensina sobre perfeição, como conceitua sobre santidade. Contudo, é intrigante a diferença entre o conceito de perfeição de Jesus e o conceito de perfeição da humanidade, e ainda mais gritante se tomarmos a visão de Michelangelo, o excepcional artista.
Ambos propõem a feitura de uma grande obra que levará muito tempo. O intuito da escultura era ornamentar o túmulo de um Papa e Michelangelo trabalhou quarenta anos entre o tempo de encomenda da escultura até sua entrega. Jesus propõe uma vida toda para a feitura da sua obra de perfeição. Miguelangelo colheu no final perseguições e inimizades, tanto da parte dos familiares do Papa como de outros artistas. Já a obra de Jesus, que tem como inspiração o relacionamento fraternal e familiar com Deus, consiste na harmonia com os perseguidores e inimigos, uma vez que a motivação é o amor e a intercessão.
A obra de Michelangelo estava finalmente concluída e permaneceria estática, sendo vista por uns poucos que a ela teriam acesso. Mas, graças a Deus pela perfeição da obra de Cristo. Tal obra ainda não está sendo feita. Diariamente é aprimorada, a obra continua. Uma vez que tem como matéria prima a vida dos que d’Ele são discípulos. Por mais admirável que qualquer escultura possa ser, nada impressiona mais do que a obra de perfeição que os seguidores de Jesus têm se sujeitado, amando inimigos e orando por perseguidores, agindo em resposta ao convite de Jesus para oração e perdão. Alguns poderiam dizer que isso é pura consagração ou piedade, religião ou filosofia, estilo de vida ou simplesmente credo. Jesus chama isso de perfeição.
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