21 de abr. de 2010

Televisão no meio pentecostal: De uma ameaça a um objeto de consumo. O caso das Assembléias de Deus. (PARTE 2)

Segunda parte de uma monografia apresentada ao Programa de Pós graduaçao em Ciência da Religião da Universidade Metodista de São Paulo na disciplina de "Religião e Mídia" segundo semestre de 2009.


Pentecostalismo Clássico nos anos 60 e 70: a relação com a mídia em especial com a televisão

A década de 50 viu o florescimento da mídia televisiva nos EUA. De imediato os evangelistas de viés fundamentalistas passaram a fazer uso desse tipo de veiculo de comunicação. Rapidamente os pregadores que antes eram itinerantes e que alcançavam a sociedade de maneira periférica puderam em pouco tempo ocupar a grade das emissoras de televisão, dessa forma já nos anos 50, pastores como Billy Graham, Rex Humbard, e Oral Roberts tornavam-se conhecidos em varias regiões dos EUA

O império de comunicação dos pregadores fundamentalistas já estava consolidado na mídia. Esse fato seria decisivo para a instauração e manutenção de uma consciência puritana, protestante, e conservadora na América do Norte. A televisão seria vista desde então como uma aliada na tarefa de afirmação da missão de preservação dos valores dos pais fundadores da nação norte-americana.

Enquanto isso no Brasil o protestantismo, que era uma minoria, procurava defender-se do liberalismo teológico que era visto como ameaçador. Já o pentecostalismo pós segunda guerra vivia um situação ambígua, o seu crescimento começava a ser sentido na mesma medida em que sentia-se ameaçado pelas cisões que décadas depois seriam comuns, outro problema era também a crítica que sofriam por parte das igrejas históricas[1].

Uma vertente do pentecostalismo, a Assembléia de Deus, se fundamentou e expandiu-se a partir do norte-nordeste. Essa particularidade seria determinante para a definição da visão de mundo e de vida da liderança da AD[2]. O conservadorismo seria, portanto uma marca registrada da vida e discurso assembleiano desde então. A afirmação de costumes tidos como respeitáveis nessas regiões associado com uma falta de cultura teológica que permitisse uma hermenêutica das escrituras foram decisivas para a formulação do código de ética não somente na AD, mas em todo pentecostalismo clássico[3].

Desta forma se nos EUA o movimento evangélico tinha uma relação estreita com a mídia, isso porque o evangelicalismo era um elemento fundamental na vida da nação, no Brasil os evangélicos se utilizavam de maneira discreta da mídia, concentrados nas emissoras de rádio. Se nos EUA a televisão era neutra, um espaço a ser conquistado, no Brasil essa parecia uma propagadora de valores e costumes francamente contrários aos ensinados pelos evangélicos, em especial os pentecostais.

A programação da televisão parecia agressiva aos olhos de um pentecostal clássico nos anos 70. Isso porque enquanto nas igrejas as mulheres eram exortadas a “não andarem segundo o curso deste mundo”, entenda-se com isso que elas deveriam ter uma forma de vestir austero, a televisão estimulava a moda e o consumo. Se considerarmos que nas igrejas pentecostais de usos e costumes o ato de ataviar das mulheres bem como o de uso de cosméticos era francamente proibido, e passível de disciplina eclesiástica, ou mesmo exclusões, se considerarmos essa realidade nessas igrejas, então o ato de assistir as novelas tão populares nos anos 70 tornava-se uma ameaça e uma geradora de conflitos nas famílias de igrejas conservadoras.

A revolução de costumes iniciada nos anos 60 entrava nos anos 70 e era amplamente coberta pela televisão, a moda e a linguagem difundida nas grandes metrópoles do primeiro mundo de imediato era absorvida em países do terceiro mundo, idéias vanguardistas e libertadoras, principalmente no que tange sexualidade passaram a ser conhecida e debatida nas sociedades mais conservadoras. Tabus um a um começam a cair, e mesmo sob censura de alguns governos algumas idéias progressistas alcançam as massas, sempre com o auxilio da criatividade daqueles que compreendiam a urgência de mudanças de costumes nas sociedades em que estavam inseridos. Assim sendo a televisão como o cinema, era francamente uma ameaça a igrejas cuja missão consistia em manter intactos valores até então inquestionáveis como família e tradição. Isso era reforçado pelo hábito de se buscar no texto sagrado a autoridade para legitimar o discurso[4].

A televisão era a pauta das mensagens vindas dos púlpitos, as criticas e sentenças não eram nada sutis, eram diretas. A televisão nesse momento não era mais um objeto a ser desejado pelos consumidores, ou artigo importante dentro de um lar a televisão era do ponto de vista do pentecostalismo conservador e clássico uma antítese da mensagem evangélica. Um elemento que colabora para essa postura é a posição quase pontificial dos pastores junto as suas igrejas, isso por que a fala de um pastor pentecostal é quase lei.
“...A palavra dos dirigentes se impõe aos seus fieis, vale como lei e deve ser cumprida. A base para tal postura, alem dos dons, é também a interpretação literal da Bíblia (sem levar em conta o contexto em que foi escrita). O poder nas Igrejas pentecostais é exercido de forma radical e verticalizada, o que difere em parte das Igrejas protestantes históricas...”[5]

Não é apenas na concepção da origem e natureza do poder que o pentecostalismo clássico dos anos 60 e 70 diferenciava-se da cultura secular, as concepções em relação ao papel da mulher e a importância dessa também eram claramente conflitantes com o que a cultura “mundana” propagava, e que estava claramente estampada nas telas dos aparelhos de televisão[6].
“... As interpretações de passagens bíblicas favorecem a hegemonia masculina sobre o sexo feminino, seja no interior ou na direção das Igrejas pentecostais. As cartas paulinas, de forma especial as destinadas aos coríntios, dão a base para uma forma especial as destinadas aos coríntios, dão a base para uma suposta superioridade do homem. É claro que estas passagens têm sido relidas e revisadas por teólogos e teólogas preocupados com o engajamento a mulher nas atividades eclesiásticas. Mas no caso do mundo pentecostal prevalece a leitura sem sua posterior contextualização (...) A maioria das mulheres é relegada a segundo plano, tanto no aspecto de direção quanto nos trabalhos regulares. Já entre os protestantes tradicionais, o espaço para a atuação da mulher é um pouco maior...”[7]

Mas a pouca disposição em dialogar bem como o caráter impositivo das lideranças pentecostais logo provocariam um fenômeno bem característicos entre os pentecostais, a cisão. Já nos anos 50 conflitos entre personalidades fortes de igreja pentecostais principalmente as AD, desencadeariam a saída de lideres que tomavam a iniciativa de formar outras igrejas[8]. Entre 1953 e 1956 surgiriam igrejas sem muita expressão nacional, mas que regionalmente eram estruturas que garantiriam a visibilidade de seus lideres, como Igreja Evangélica do Espírito Santo, Igreja Evangélica Independente, Igreja Cristã Pentecostal da Bíblia no Brasil. Esse fenômeno só se intensificaria nos anos seguintes e seria continuado nos anos 90 com a consolidação do neo-pentecostalismo.

Desta forma definitivamente o pentecostalismo se fechava em si mesmo e se tornava um agrupamento hermético e sem unidade. A mídia era identificada como inimiga e um arauto do anti-Cristo. Oficialmente em 1957 a Convenção das Assembléias de Deus proíbe todos os fieis da denominação de terem televisão em casa[9]. Contudo alguns segmentos do pentecostalismo que tiveram a sua origem no EUA e não estavam sujeitos ao discurso conservador do pentecostalismo clássico brasileiro, passaram a se inserir nas rádios, como foi o caso da Igreja Evangelho Quadrangular.

Harold Williams Raymond Boatright nos anos 50 iniciam um novo paradigma de igrejas pentecostais. Promovendo a Cruzada Nacional de Evangelização esses dois ex-atores do cinema americano movimentam massas através da mensagem de cura divina e tendo como espaços as tendas de lonas. Nesse mesmo momento as emissoras de rádio começam a ser utilizadas pela Igreja do Evangelho Quadrangular, resultado da CNE[10].

Também a utilização do rádio era um tabu para igrejas como AD e CCB, logo assim que a IEQ começa a ostensivamente aparecer no rádio estabelece-se um conflito entre esses dois paradigmas de evangelismo e proselitismo, enquanto a AD utilizava-se de campanhas, a CCB do evangelismo pessoal, a IEQ se apresentava com abordagem midiática que divulgava junto a população de modo geral das suas cruzadas[11]. Essa atuação da IEQ seria seguida com sucesso pelo Pastor Manuel de Mello, a frente do “Brasil para Cristo”. Já na segunda metade dos anos 50 as campanhas da CNE já haviam despertado interesses de lideranças das Assembléias de Deus, que seguiriam Manuel de Mello[12].

O publico alcançado pelo Brasil para Cristo tinha o mesmo perfil das demais igrejas pentecostais, era composto de retirantes e operários. A mensagem com forte ênfase na atualidade dos dons e da imanência de Deus na vida da gente simples. Dessa forma o BPC, passaria a ser uma alternativa aos evangélicos pentecostais que não se ajustassem aos rigores do legalismo das Assembléias de Deus, da Congregação Cristã e da Deus é Amor que surgiria mais tarde.

Pode-se com relativa segurança supor que juntamente com a IEQ a IBPC contestariam o estereótipo de fiel obediente a usos e costumes. O rigor ascético do setor mais conservador do pentecostalismo foi colocado em dúvida, e junto com ele as convicções de que tudo que era secularizado era uma ameaça a existência da Igreja. Rapidamente vozes seriam questionariam a validade das ameaças.

O estilo jovem a liturgia arejada e a assimilação da estampa norte-americana assumida pelos missionários e membros da IEQ abririam espaço para que costumes fosse repensados na vida cristã e com isso uma maior tolerância do pentecostalismo junto aos meios de comunicação, a principio do rádio, mas mais tarde da televisão[13].

A “Deus é Amor” uma das mais rígidas e conservadoras igrejas do meio pentecostal se utilizaria do rádio no início dos anos 60, o BPC já estava na década anterior. O programa “A voz da libertação” seria um dos maiores instrumentos de divulgação do ministério do Missionário Davi Miranda. O rádio ainda seria responsável pelo surgimento e consolidação da Igreja de Nova Vida. Esta igreja nascia de maneira singular, através do rádio, e se apresentaria junto a sociedade de forma ainda não vista até então.

A Igreja de Nova Vida do Bispo McAlister seria uma igreja que atendia a classe media, com uma mensagem pentecostal e carismática, em cujo discurso era perfeitamente compatível com os valores urbanos, algo relevante se considerarmos que a sociedade brasileira dos anos 60 e 70 estava em franca urbanização[14]. Assim sendo os precedentes para o uso relativamente bem sucedido do rádio estavam devidamente afirmados. A mídia ao poucos seria considerada como uma possibilidade pela maioria esmagadora dos evangélicos. Contudo a televisão ainda estava distante, ora pelo custo de uma programação, ora pelas convicções de costumes de alguns setores.

As primeiras inserções na mídia televisiva aconteceriam entre os batistas na televisão Gazeta com o programa “Um pouco de sol”[15]. Poucas igrejas se aventurariam a o investimento que a tv exigiria, a viabilidade dessa necessariamente exigiria uma malha de igrejas que tivessem um caixa único. Esse foi o método de arrecadação e gerenciamento de recursos financeiros que permitiriam que alguns grupos de pentecostais, os de origem não clássica, viessem a acessar os veículos de televisão[16].

Mesmo com essas dificuldades ainda nos anos 60 os pentecostais poderiam ver a sua pregação sendo exposta em um aparelho de televisão, uma vez que o Bispo McAlister ingressava na TV Tupi. Essa iniciativa seria decisiva na formação dos seus auxiliares que até então o seguiam e que mais tarde também se utilizariam da televisão para divulgação de suas igrejas[17].


[1] ALENCAR. Gedeon. Protestantismo Tupiniquim. Arte Editorial. P.23
[2] FRESTON. Paul. Breve Historia do pentecostalismo brasileiro. ANTONIAZZI (org.). Nem anjos nem demônios. Vozes. São Paulo. P.84
[3] CAVALCANTI. Robson. A Igreja, o país, e o mundo: desafios a uma fé angajada.
[4] GONDIM. Ricardo. É Proibido. Mundo Cristão. P. 104-105
[5] CAMPOS. Luis de Castro. Pentecostalismo Sentidos da Palavra divina. Ática. 1995. P.84
[6] FRESTON. Paul. Breve Historia do pentecostalismo brasileiro. ANTONIAZZI (org.). Nem anjos nem demônios. Vozes. São Paulo. P.86-87
[7] CAMPOS. Luis de Castro. Pentecostalismo Sentidos da Palavra divina. Ática. 1995. P.85
[8] FRESTON. Paul. Breve Historia do pentecostalismo brasileiro. ANTONIAZZI (org.). Nem anjos nem demônios. Vozes. São Paulo. P.88
[9] CAMPOS. Leonildo. Evangélicos e Mídia no Brasil. Um acerto e desacertos. Revista de Estudos da Religião. Setembro/2008. P. 15
[10][10] FRESTON. Paul. Breve Historia do pentecostalismo brasileiro. ANTONIAZZI (org.). Nem anjos nem demônios. Vozes. São Paulo. P.113-115
[11] Ibdem. P. 103-106
[12] MENDONÇA. Antonio Gouvêa. Introdução ao Protestantismo no Brasil. Loyola. 2002 P.53
[13] ALENCAR. Gedeon. Protestantismo Tupiniquim. Arte Editorial. P.50
[14] CAMPOS. Leonildo. Evangélicos e Mídia no Brasil. Um acerto e desacertos. Revista de Estudos da Religião. Setembro/2008. P. 11
[15] CAMPOS. Leonildo, Teatro, Templo e Mercado. UMESP. São Bernardo do Campo, 281-282
[16] CAMPOS. Leonildo. Evangélicos e Mídia no Brasil. Um acerto e desacertos. Revista de Estudos da Religião. Setembro/2008. P. 10
[17] SANTANA. Luter King de Andrade. Religião e Mercado: A mídia empresarial-religiosa. Revista de Estudos da Religião. nº 1. 2005, P.57

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